Substitutos valvares

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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Em que pese todo o desenvolvimento da ciência e, particularmente, da tecnologia, as perspectivas reais para os doentes com Lesão valvar, que não puderam ser submetidos a procedimentos restauradores, ficam restritas às substituições da estrutura lesada. O Implante valvar certamente modifica a evolução natural das valvopatias, elevando significativamente a sobrevida desses pacientes; entretanto, ainda apresenta sérias complicações, tornando essa operação cirúrgica apenas paliativa. Embora se possa prever que o futuro, pensando-se na primeira década do próximo milênio, nos reserve grandes surpresas, na prática continuamos também na busca do substituto ideal das valvas cardíacas. O doente que tem o problema, hoje, está limitado a duas alternativas: implantar uma Prótese metálica ou biológica. Ambas com vantagens e desvantagens que serão analisadas a seguir.
Substitutos metálicos - em 1960, houve uma conferência sobre Cirurgia de Prótese valvar cardíaca em Chicago. Dez dias após essa conferência, o Dr. Albert Starr realizou a primeira substituição de Valva mitral num homem de cinqüenta e dois anos com dupla Lesão mitral e teve êxito. Sir Lowell Edwards, um engenheiro aposentado, ofereceu seus serviços para ajudar o Dr. Albert Starr a desenvolver a Prótese valvar. Depois dessa cirurgia, a Prótese sofreu modificações para melhorar sua hemodinâmica e facilitar a inserção. Nos cinco anos seguintes, centenas de valvas de Starr-Edwards foram implantadas em posição aórtica e mitral com bom resultado, em relação à evolução natural da Doença. Desde então, os laboratórios passaram a tentar aperfeiçoar o material utilizado para as próteses, com o intuito de melhorar a hemodinâmica, diminuir a trombogenicidade e, assim, vários tecidos sintéticos, e mesmo biológicos, passaram a ser testados. Após quatro anos da introdução da Valva de Starr, por volta de 1966, na Califórnia, desenvolveram a Prótese de Smeloff-Cutter, feita de Titânio com bola de Silicone. O Dr. George Magovern e Mr. Harry Cromie, em Pittsburgh, desenvolveram a Prótese de Magovern-Cromie, com bola de silicone, barra de metal e pinos para fixar na Aorta com o uso de um Aparelho rotatório especial. O Dr. Nina S. Braunwald, com o intuito de diminuir as Complicações tromboembólicas, junto com o Dr. Andrew Monov, utilizou Teflon flexível e criou a Prótese de Braunwald-Cutter, também por meados de 1960. Nessa mesma época (1969), De Bakey deu a sua contribuição no campo das próteses valvares, criando a Prótese de De Bakey-Surgitool com cobertura de dacron, bola de Carbono pirolítico siliconizado e recoberto por Titânio. Em 1967, criaram a Prótese Starr-Edwards de disco. A Prótese de Cooley-Cutter foi introduzida em 1966. O disco era feito de Silicone e a armação de Titânio. Em 1968, o Dr. Viking Olav Björk, trabalhando junto com Mr. Donald Shiley, desenvolveu a Björk-Shiley, Valva de disco. Em 1970, o Dr. C. Walton Lillehei e Robert Kaster desenvolveram a Prótese de Lillehei-Kaster, com disco preso numa gaiola de titânio, presa num circulo, recoberto com Teflon. Essa Valva produzia um segundo ruído Cardíaco ao se abrir. Apesar de toda evolução obtida, até os dias de hoje, com as próteses metálicas o tromboembolismo, a hemólise, o uso Contínuo de anticoagulantes e o ruído produzido por elas são um problema na vida desses pacientes.
Substitutos biológicos - depois de, aproximadamente, quarenta anos dos trabalhos de Carrel, com Homo transplante, começaram uma série de implantes valvares de Tecido. Iniciaram-se os transplantes com valvas de cadáveres com Duran e Gunning em Oxford, por volta de 1962. A Disfunção precoce dessas valvas e a Dificuldade de obter o material desencorajaram muitos centros. Mas, ficou estabelecida a vantagem das valvas biológicas sobre as metálicas. O Dr. Binet e o Dr. Carpentier, em 1965, prepararam a primeira Valva aórtica de porco xenográfica e, em 1968, Carpentier, implantou a primeira Prótese. Outros aperfeiçoaram e comercializaram: Valva de Hancock, Carpentier Edwards, Angell-Shiley. Em 1970, o Prof. Euríclides J. Zerbini idealizou a Prótese de dura mater, utilizada por vários anos no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Em 1971 e 76, em Londres, Mr. Marian Ionescu criou a Valva de Pericárdio bovino. Nessa mesma época, na Califórnia, Shiley e Edwards também desenvolveram essa Valva. Assim, passou a chamar-se, Prótese de Ionescu-Shiley e, depois, com algumas modificações, Prótese de Pericárdio de Edwards. O assunto ainda não foi resolvido. As pesquisas continuam em busca da Prótese ideal.
Complicações das próteses valvares - para se avaliar os prós e os contras do uso de cada um dos substitutos temos que considerar as Complicações esperadas. Em Observação pessoal com 533 pacientes com Prótese biológica implantada na posição mitral e aórtica, no decorrer de 106 meses de acompanhamento, foram registradas Complicações específicas como: Embolia em 2,5% (13) dos mitrais e em 0,5% (2) dos aórticos, Endocardite em 2% (10) dos mitrais em 2,8% (15) dos aórticos, Disfunção assintomática em 7,4% (39) dos mitrais e em 5,2 (27%) dos aórticos, reoperação, em 4,2% (22) dos mitrais e 2,1% (11) dos aórticos e óbito em 5% (26) dos mitrais e 2% (10) dos aórticos. A Disfunção da Prótese aórtica apareceu mais precocemente do que a da mitral. As Complicações gerais encontradas em próteses mecânicas ou biológicas foram as seguintes: Endocardite infecciosa (EI) – A Endocardite infecciosa ainda é uma das Complicações mais importantes da substituição valvar, tanto metálica quanto biológica. Entretanto, esta parece ser mais facilmente controlada clinicamente quando em Prótese biológica. Quando o Diagnóstico de Endocardite infecciosa é feito em Prótese valvar recentemente implantada, além do Tratamento com Antibiótico adequado, a substituição da Prótese geralmente se faz necessária, porque esta é freqüentemente um fator gerador de Trombo e a anticoagulação, nesses casos, não previne a Embolia. Quando a Endocardite infecciosa ocorre, tardiamente à substituição valvar, o Tratamento clínico pode ser tentado, sem a retroca valvar; porém se a Infecção for causada por fungo, se houver vegetação valvar, ou se for resistente ao Tratamento clínico, pode ser que a Prótese precise ser trocada. Hoje, com a evolução da ecocardiografia, o Controle da Prótese pode ser rigoroso e ser feita a indicação da retroca se a vegetação, ao invés de diminuir, estiver aumentando. Anemia hemolítica – Qualquer valvopatia pode produzir hemólise, pelo fluxo turbulento na presença de Prótese. Principalmente se esta for metálica, poderá ser mais intensa. A Anemia deve ser sempre investigada e tratada. Vem acompanhada de Fadiga e piora com os esforços. Na maioria das vezes, o Repouso diminui a turbulência e as células vermelhas são reconstituídas. Mas, as vezes, é necessário o Tratamento oral e, se mesmo assim a Anemia não for controlada, e a Prótese estiver com problema, deve-se substituí-la. Tromboembolismo – Os valvopatas, pela própria doença, principalmente se forem mitrais, apresentam Risco de ter Embolia. É consenso que pacientes com próteses metálicas devem fazer uso de Anticoagulante oral. A Embolia é a complicação mais temida. O uso de anticoagulante, se, por um lado, atenua a Incidência deste Fenômeno embólico, por outro, acarreta distúrbios, não menos graves, como a Hemorragia. Em Observação pessoal de trinta e quatro pacientes com Prótese de Starr-Edwards, há mais de quinze anos, constatamos que o uso correto de Anticoagulante exerce proteção em sessenta por cento dos pacientes, sendo que a tendência à falha de Prevenção está na posição aórtica, como é constatado também por outros autores. A maior turbulência sangüínea na posição aórtica explicaria a diferença entre a Patogênese dos trombos aí formados, constituídos principalmente de plaquetas, – Trombo branco – e, os da posição mitral, com alto contingente de hemácias, Trombo vermelho. Esse conceito explica a maior Eficiência do Anticoagulante oral sobre o Trombo vermelho, na posição mitral. O ritmo Cardíaco não é variável, responsável de maneira significativa pelos fenômenos embólicos, pois estes ocorreram na mesma proporção nos pacientes com fibrilação atrial e com ritmo sinusal, conforme foi observado por vários autores. A Função miocárdica analisada clinicamente pela classe funcional, radiograficamente pela Área cardíaca e ecocardiograficamente pelo D%, mostra também não ser um fator importante na predisposição de fenômenos embólicos, pois estes ocorrem sempre em pacientes com Função preservada. A maior Incidência dos fenômenos embólicos ocorre antes de completados os dois primeiros anos de Cirurgia ou após o décimo quinto ano. Merece ser enfatizada a alta Incidência de êmbolos no Sistema nervoso central, independente da posição da Prótese como registrada universalmente. A mulher em Idade fértil é também um problema, porque o Anticoagulante é teratogênico e a Suspensão dessa medicação, nessa fase, aumenta muito a trombogenicidade. Um episódio embólico isolado não é indicação de retroca valvar, mas, se os episódios se repetem em pacientes fazendo uso correto dessa medicação, sob Controle médico, deve-se indicar a retroca para bioprótese. Observamos em nossos pacientes baixa Incidência de tromboembolismo em bioprótese, geralmente associada a ocorrência de fibrilação atrial e cavidades aumentadas, refletindo a natureza da Doença e não do uso de Prótese. Assim, conforme a literatura, também não indicamos a Anticoagulação na maioria dos pacientes, tornando-os menos dependentes do Ambiente hospitalar. Em Trabalho estatístico realizado em nossos pacientes, observamos que a probabilidade de o Portador de Prótese porcina, independente da posição mitral ou aórtica, estar vivo e sem Complicações ao final de cinco anos é de 82,15%, o que está de acordo com a literatura. Trombose – A Trombose ocorre com mais freqüência em pacientes com Prótese metálica que não usam anticoagulantes ou o fazem de maneira irregular. Pode ocluir abrupta ou gradualmente o orifício da prótese, impedindo seu fechamento. O Diagnóstico pode ser suspeito com a perda Intermitente do som de fechamento da Valva e da regurgitação própria da Prótese metálica. A Trombose é mais freqüente na posição mitral. Entretanto, se ocorrer na posição aórtica, é mais grave e requer reoperação imediata. Pode ocorrer também nas próteses biológicas, produzindo sinais e sintomas de Estenose. Em alguns casos, é possível fazer a retirada do trombo, porém na maioria das vezes é necessário a retroca valvar. Disfunção valvar – A Disfunção valvar pode manifestar-se como insuficiência, Estenose ou dupla Lesão. As valvas biológicas são mais suscetíveis a problemas de integridade estrutural do que as metálicas. Geralmente, a Disfunção da bioprótese não é catastrófica e sua correção cirúrgica, profilática, pode ser feita no devido tempo. Pode ocorrer Degeneração do Tecido da Prótese levando à rotura ou à Fibrose e Calcificação. A Prótese biológica degenera-se com maior velocidade em crianças e renais crônicos, motivo pelo qual nesses casos a Prótese metálica tem sua preferência, enquanto pacientes com mais de setenta anos dificilmente apresentam Degeneração de bioprótese. Nossa experiência com sessenta e três pacientes portadores de Disfunção de bioprótese mostrou que o Período entre o início da Disfunção e o aparecimento da Descompensação cardíaca pode ser longo. Neste caso, os pacientes foram tratados clinicamente por cinco anos sem necessidade de troca valvar.
Momento cirúrgico – apesar de o Tratamento cirúrgico das valvopatias ter tido grande avanço nas últimas décadas, ainda não se pode considerá-lo definitivo porque não se tem o substituto ideal. Isso faz com que este Procedimento seja muito mais paliativo da Sintomatologia do que realmente uma Cura para a Doença. O momento da indicação cirúrgica deve ser preciso. O Paciente deve permanecer com sua Valva natural, doente, o maior tempo possível, até que não haja mais recursos clínicos e ele esteja com sua Qualidade de vida realmente prejudicada. Nesse momento, indica-se, quando possível, algum Procedimento intervencionista, como Dilatação por balão, Comissurotomia ou valvoplastia; não havendo outra alternativa, impõe-se a substituição valvar. É preciso Atenção para que não haja Comprometimento miocárdico importante, a ponto de prejudicar a evolução pós operatória. A escolha do substitutivo valvar depende principalmente da experiência do serviço onde a Cirurgia é realizada. Sem dúvida alguma, as condições clínicas, sociais e econômicas do Paciente também pesam nessa decisão. O Implante de Prótese metálica obriga ao uso de anticoagulação, com rigoroso Controle laboratorial, o que se torna, muitas vezes, inviável para pacientes que moram longe desses recursos. Por outro lado, um Paciente com mais de quatro retrocas valvares, por Disfunção de bioprótese, deve ter preferencia ao Implante de uma Prótese metálica. O Paciente com Prótese valvar, seja ela qual for, apresenta uma nova Doença e deve estar suficientemente esclarecido para não alimentar expectativa de Cura definitiva.