Epidemiologia (simulação)

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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Em seu interessantíssimo livro Chaos – Making a New Science, James Gleick, ao traçar o perfil de James A. Yorke, relata que este pesquisador “preparou um Relatório sobre a disseminação da Gonorréia que convenceu o governo federal [dos Estados Unidos] a modificar as estratégias nacionais para o Controle da Doença. Ocorre que Yorke não é um médico sanitarista, mas, sim, um Matemático vinculado à Universidade de Maryland, hoje gozando de renome internacional devido ao seu Trabalho na Área de sistemas dinâmicos não-lineares. Que explicação haverá para o Fato de um Matemático ter produzido conclusões tão relevantes e dignas de fé sobre um assunto que aparentemente não pertence à sua especialidade? Não há nenhum mistério nesta questão. O que Yorke fez foi, em primeiro lugar, construir um modelo Matemático, uma representação abstrata, simplificada, do processou de propagação da Gonorréia numa determinada população; em seguida, ele simulou experimentos utilizando o modelo. Por que será que tão elevado grau de credibilidade terá sido associado às conclusões de Yorke, a ponto de levar o governo norte-americano a rever um programa de Saúde pública de grande importância – medida efetivamente tomada em 1975? Na verdade, a credibilidade das conclusões decorre da validade do modelo, isto é, da aceitação de sua Capacidade de descrever corretamente o Fenômeno em estudo. Isto se pode conseguir de várias maneiras, por exemplo, fazendo-se com que o modelo, partindo de condições bem conhecidas, registradas em algum instante do passado, evolua ao longo do tempo “simulado” e “preveja” coerentemente outras situações que de Fato tenham ocorrido na seqüência histórica. Para que se possa sentir a índole desta metodologia, vamos elaborar um modelo Matemático muito simples da propagação de uma epidemia, e depois utilizá-lo para fazer uma pequena Simulação.
Um modelo Matemático simples de propagação de uma Epidemia - Consideraremos uma população constituída por certo número de indivíduos suscetíveis à ação de determinado Agente infeccioso, à qual se agrega, num momento que definiremos como sendo o instante inicial, um elemento infectado. Admitiremos a hipótese de que após este instante não ocorram chegadas nem partidas de indivíduos enquanto a população estiver sob observação, isto é, até o final do experimento que iremos simular. Admitiremos também que durante esse tempo não ocorram nascimentos de novos indivíduos, nem mortos por causas outras que não a Infecção. O tempo será subdividido em intervalos de duração constante, digamos uma semana, designados pelo símbolo t, que assumirá valores na seqüência {0,1,2,3,..., T}. Assim, fazendo-se t = estar-se-á considerando a primeira semana; t = 2 a segunda, etc. Suporemos ainda que a disseminação da Infecção seja regida pelos seguintes Postulados: 1) O número de indivíduos infectados ao fim de determinado Período é proporcional ao número de indivíduos infectados e ao de suscetíveis existentes no final do Período Anterior. 2) Não há fase de Incubação. Uma vez que o Indivíduo Suscetível seja infectado, ele se apresente doente no Período seguinte. 3) Para os infectados a Doença manifesta-se e perdura por exatamente um período, ao fim do qual uma fração fixa desse contingente – a Taxa de letalidade da Infecção – morre, enquanto que a fração complementar apresentar-se restabelecida e imunizada com relação à Infecção. É claro que este modelo, por força da sua estrutura muito simples, dificilmente seria aplicável a uma população humana, a não ser em circunstâncias muito particulares; talvez se pudesse aplicá-lo à tripulação de um navio navegando por mares distantes em alguma época do passado, ou a uma população de peixes contida num aquário, por exemplo. O passo segunte consiste em exprimir o modelo por meio de equações matemáticas, de modo que seja possível calcular a evolução das quantidades que sejam de interesse, com o passar do tempo.
Premilinarmente vamos definir variáveis para representar essas quantidades; sejam: st: o número de indivíduos suscetíveis, no Período t; it: o número de indivíduos infectados, no Período t; rt: o número acumulado de indivíduos restabelecidos, desde o início da Simulação até o final do Período t; dt: o número acumulado de indivíduos mortos desde o início da Simulação até o final do Período t; nt: o número total de indivíduos (vivos) da população no Período t. Assim, i0 será o número de infectados no instante inicial, isto é, antes do experimento que iremos simular, i1 o número de infectados no final do Período 1. i2, no final do Período 2, assim por diante. Há ainda a necessidade de se definir dois parâmetros. : um coeficiente de proporcionalidade, indicador do grau de Interação entre indivíduos infectados e suscetíveis, com a conseqüente Transmissão da Doença. : a tração do número de indivíduos infectados que morrem ao fim do Período. É a Taxa de letalidade da Infecção. Isto posto, o seguinte conjunto de equações descreve matematicamente o modelo: it + 1 = st it (1); st + 1 = st – it + 1 (2); rt + 1 = rt + (1 - )it (3); dt + 1 = dt + it (4); nt = st + it + rt (5). A primeira equação nada mais é do que a tradução em linguagem matemática do primeiro postulado. A segunda diz que no Período t + 1 o número de indivíduos suscetíveis é igual ao número de susceptíveis existentes no Período Anterior t, menos aqueles que agora passaram à classe dos infectados. As equações (3) e (4) exprimem o terceiro postulado, enquanto que a (5) é simplesmente a totalização dos indivíduos que estão vivos no Período t. Como todas as variáveis do modelo são inteiras, os valores dos produtos indicados no lado Direito das equações (1), (3) e (4) devem ser arredondados, depois de feitas as contas. Modelos deste Tipo são identificados na literatura de Língua inglesa pela Sigla SIR, formada pelas iniciais das palavras susceptible, infected e recovered. A propósito, há muitos outros tipos de modelos usados em Epidemiologia, contemplando aspectos que não foram levados em consideração no presente caso, como Variação contínua do tempo e distribuições de probabilidades associadas aos fenômenos estudados. Observemos agora que, dados os valores das variáveis no instante zero, isto é, i0, s0, r0, e d0, as equações do modelo permitem calcular, facilmente, primeiro n0 e depois i1, s1, r1 e n1. Estando estes valores disponíveis, as mesmas equações dão i2, s2, r2, d2 e n2. Em seguida, podem-se calcular os valores de i3, s3, r3, d3 e n3. E assim por diante, até o último período, quando t = T. As equações são, portanto usadas iterativamente, isto é, através de iterações sucessivas, com os resultados de cada fase entrando como dados na fase seguinte. É esta seqüência de cálculos que produz a Simulação do Comportamento dinâmico da população, ou seja, de sua evolução ao longo do tempo, na presença do Agente infeccioso. Se dispusermos de um microcomputador para fazer esses cálculos, a tarefa será trivial. Em particular, poderemos nos valer de um programa de planilha eletrônica para essa finalidade, com o que será preciso dar apenas de alguns poucos comandos para a obtenção dos resultados.
Simulação - Admitimos que a Doença em estudo seja caracterizada pelos seguintes parâmetros: = 0,0001 / = 0,45 e vamos considerar os seguintes valores iniciais, isto é, valores assumidos pelas variáveis no instante t = 0: s0 = 19.999; i0 = 1; r0 = 0; d0 = 0; evidentemente, n0 = s0 + i0 + r0 = 19.999 + 1 + 0 = 20.000. Trata-se, portanto de uma população de 20.000 indivíduos, dos quais um apresenta-se contaminado no instante zero. Usando então as equações (1-5) podemos calcular os valores das variáveis no instante t = isto é, ao final da primeira semana: i1 = s0i0 = 0,0001 x 19.999 x 1 = 1,9999 2; s1 = s0 – i1 = 19.999 – 2 = 19.997; r1 = r0 + (1 - )i0 = 0 = 0,55 x 1 = 0,55 1; d1 = d0 + i0 = 0 + 0,45 x 1 = 0,45 0; n1 = s1 + i1 = r1 = 19.997 + 2 + 1 = 20.000; o símbolo indicando a operação de arredondamento. Agora, dispondo destes valores e aplicando novamente as equações (1-5), calculamos i2, ..., n2. E assim por diante, até que sejam obtidos os valores de i25, ..., N25. Na tabela a seguir estão registrados os valores correspondentes a cada Período. A Análise desta tabela já nos permitiria chegar a algumas conclusões sobre o modelo: pelo exame da coluna de it verifica-se que a Epidemia ocorreu, tendo atingido o seu auge na 13ª semana e tendo terminado na 22ª semana. Também se constatou que quase 40% da população morreu ao fim do processo, porcentagem que é compatível com a Taxa de letalidade da infecção, e que, dos sobreviventes, cerca de 78,5% sofreram a Doença e estão imunizados, os restantes continuando suscetíveis. Todavia, o Fenômeno simulado poderá ser muito melhor compreendido se os valores registrados pela tabela forem plotados num gráfico, desenhando-se uma curva para cada variável, as escalas Horizontal e Vertical sendo comuns a todas. Os valores de cada variável em cada instante são identificados por determinado símbolo, conforme a legenda que a acompanha. Esses pontos estão interpolados por segmentos de reta para facilidade de visualização de cada seqüência. Agora notam-se claramente outros aspectos do Fenômeno que está sendo simulado, sendo o principal, talvez, o Fato de que, mesmo sob a hipótese de tempo de Incubação nulo, o Surto só irrompe decididamente na 8ª semana, quando, num contexto de realidade, provavelmente fosse tarde demais para se recomeçar a tomar medidas de combate à Doença. Isto dá uma idéia das dificuldades enfrentadas pelas autoridades de Saúde pública no exercício das funções associadas à Vigilância sanitária.
Continuação do Experimento - Até este ponto só tivemos um pequeno vislumbre do universo que poderia ser explorado pela metodologia apresentada. Entretanto, está tudo pronto e o cenário está montado para uma deliciosa aventura computacional, que pode ser empreendida simplesmente levando-se adiante o experimento iniciado. O leitor que tenha acesso a um microcomputador está convidado a fazê-lo. Há muitas linhas de continuação possíveis. Uma primeira e óbvia escolha seria experimentar a Variação dos parâmetros dos modelos e . Por exemplo será que no Caso de uma Taxa de letalidade de 100% ( = 1) ocorreria a extinção total da população? (Não! Basta o leitor fazer a correspondente Simulação para descobrir que haveria um grupo sobrevivente de cerca de 2.500 pessoas, aproximadamente 12,5% da população original, todas suscetíveis). E quanto ao  ? A experimentação deverá mostrar que o modelo é extremamente sensível a variações do valor deste parâmetro. Pequenas Alterações podem conduzir a resultados muito diferentes, desde a ocorrência de um Surto violentíssimo até a pura e simples não-ocorrência de epidemia, restringindo-se a Doença a alguns casos isolados. Em seguida poder-se-iam alterar os valores iniciais das variáveis, verificando-se, para populações muito menores ou muito maiores, se o Comportamento se mantêm ou se altera. E o que aconteceria se isso fosse combinado com a experimentação dos parâmetros? Agora, o passo maior: que tal tentarmos alterar o modelo? Que fazer para que sejam contemplados nascimentos e mortes (por outras causas) durante o experimento? E a saída e chegada de pessoas – contaminadas ou não, suscetíveis ou imunizadas? Os efeitos de um programa de vacinação também poderiam ser estudados. Neste caso, seriam fatores importantes a serem considerados: a Eficácia da vacina, o tempo decorrido entre a aplicação e o efeito, o ritmo de desenvolvimento do programa de imunização e o momento do seu início. E então, o que estamos esperando?