Sono

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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Objeto de Análise subjetiva, observativa e sobretudo discursiva durante milhares de anos, o Sono suscita desde a mais remota antigüidade atitudes e explicações místicas, além de crenças ingênuas, que se prestam a atitudes venais e explorações charlatanescas. Com a redescoberta, na década de 1920, das oscilações de potenciais do Córtex cerebral (já descritas em 1870 por fisiologistas europeus), começou-se a investigar o Sono em Função de parâmetros objetivos e mensuráveis, visto que em diversas regiões do Sistema nervoso Central ocorrem oscilações eletrofisiológicas que permitem distinguir claramente diversas fases funcionais durante o Sono. Registrando-se simultaneamente as oscilações elétricas cerebrais (eletroencefalogramas ou simplesmente EEG), o eletrocardiograma, a respiração, os movimentos dos olhos e o eletromiograma cervical e da musculatura que mantém a Boca fechada (masseteres, músculos temporais etc.), consegue-se caracterizar as fases e a ciclagem do Sono de Forma precisa. A Avaliação contínua dessas variáveis fisiológicas permite verificar que as ondas do EEG sofrem Alterações que configuram diferentes fases do sono, as quais se repetem a intervalos mais ou menos regulares, constituindo os ciclos de Sono. A Análise das oscilações dos potenciais do EEG levou alguns fisiologistas, em 1938, a estabelecer certos padrões identificáveis desses potenciais, possibilitando-lhes dividir o Sono em fases que se sucedem a intervalos mais ou menos regulares. No início da década de 1950 descobriu-se que essas fases constituem dois estados de Sono: o Sono sincronizado, caracterizado por potenciais de baixa freqüência (desde 0,5 até 15 a 20 Hertz) e alto potencial (de algumas dezenas e algumas centenas de microvolts), e o Sono dessincronizado, caracterizado por potenciais de alta freqüência (acima de 30 Hertz) e baixa voltagem (20 a 30 microvolts). O Sono dessincronizado de indivíduos normais sempre ocorre depois de um episódio de Sono sincronizado; entretanto nos vertebrados só existe Sono dessincronizado em mamíferos e aves (homeotermos); abaixo das aves só há Sono sincronizado. A Análise das fases do Sono durante noites inteiras, começada na Universidade de Chicago, no início da década de 1950, mostrou que a seqüência das fases em pessoas adultas se repete em média cada 90 minutos. Uma conseqüência relevante desses estudos foi a descoberta das manifestações eletrofisiológicas, cardiovasculares, respiratórias, digestivas etc. dos sonhos, do que resultou a possibilidade de, pela primeira vez, estudar-se a atividade onírica de maneira objetiva, antes apenas inferencial e largamente especulativa, quando não somente fabulosa. Estendidos a outras espécies esses estudos revelaram que em outros vertebrados também existem fases e ciclos de sono, assim como sonhos. Os ciclos de Sono são mais curtos nos animais de pequeno porte do que nos maiores. Por exemplo, a duração de um Ciclo de Sono do elefante é em média de 100 minutos, no homem de 90, no gato de 45, no rato de 10e no camundongo de 5 minutos. Um gato muito jovem dorme em ciclos de 20 a 30 minutos (mais curtos do que os do adulto); numa Criança com cerca de 10 anos de Idade um Ciclo dura em média 60 minutos. Como os animais pequenos têm Metabolismo maior do que os nos grandes (o que se repete ontologicamente num mesmo indivíduo, que tem Metabolismo mais alto na Infância do que quando se torna adulto), verificou-se que há uma relação inversamente proporcional entre a duração dos ciclos de Sono e o metabolismo, isto é, quanto maior é o metabolismo, mais curto é o Ciclo. Não se sabe a razão dessa relação. Talvez a manifestação mais característica e patente do Sono seja a tríade: quietude, supressão da postura e inconsciência. Entretanto, várias espécies dormem em pé (cavalos, por exemplo) ou locomovendo-se (peixes, talvez o albatroz, que pode voar ininterruptamente durante meses). Mesmo no homem, a imobilidade não é total, visto que nas várias fases do Sono ocorrem movimentos, cujos padrões diferem nos dois estados de Sono sincronizado e dessincronizado. A imobilidade muscular torna-se completa somente durante o Sono sincronizado e a freqüência cardíaca, a Pressão arterial e a respiração diminuem acentuadamente. Durante o Sono sincronizado, o registro dos potenciais elétricos da musculatura de algumas regiões (principalmente do Pescoço e da mandíbula) revela Contração mantida desses músculos, a qual desaparece rapidamente quando se inicia o Sono dessincronizado. Por essa e por outras razões esse Estado deve ser considerado o Sono de maior profundidade. A posição do Corpo durante o Sono depende estreitamente da Temperatura Ambiente; quando esta é elevada, a tendência é de se dormir estendido e durante o inverno o Corpo se encolhe, a fim de regular a superfície de dissipação de Calor. No Sono sincronizado ocorrem movimentos algumas dezenas de vezes cada noite, aparentemente com a finalidade de impedir Isquemia das regiões sobre as quais se apóia o resto do Corpo. No Sono dessincronizado, entretanto, a movimentação é distinta, caracterizando-se por movimentos rápidos dos olhos (razão porque essa fase é, indevidamente, também conhecida como Sono de movimentos oculares rápidos), por pequenos abalos musculares, às vezes por vocalização. Essas manifestações acompanham-se de aceleração da freqüência cardíaca e da freqüência e amplitude da respiração. Acordando-se uma Pessoa nessa fase ela quase sempre conta estar sonhando. A Análise contínua do Sono revela que sonhamos sobretudo durante o Sono dessincronizado de cada ciclo, o que significa que sonhamos em episódios consecutivos iguais ao número de ciclos, isto é, 5 a 6 cada noite. A razão pela qual somente de vez em quando sabemos o que sonhamos é que se não se desperta durante o sonho ou dentro dos primeiros 10 ou 15 minutos, a informação onírica não se fixa na Memória e é esquecida e, portanto, passa despercebida. As crianças recém-nascidas e nos primeiros meses de vida extra-uterina dormem aproximadamente 2/3 do tempo; aos poucos diminui o tempo de sono, chegando-se, em torno dos 13 ou 14 anos, à relação inversa, isto é, dorme-se apenas 1/3 do dia. A redução do tempo de Sono se faz à custa de pequena redução do tempo de Sono dessincronizado e de grande redução do sincronizado. As pessoas muito idosas dormem poucas horas à noite, mas o tempo total de Sono não é muito menor do que o de uma Pessoa de 40 anos, uma vez que elas dormitam freqüentemente durante o dia, quando preencheu sua quota de Sono sincronizado. É interessante lembrar que o Sono dessincronizado é mais vulnerável do que o sincronizado a numerosos fatores endógenos e exógenos; sua duração total diminui em Função da Idade; quando não se dorme durante vários dias, a recuperação do Sono sincronizado é maior do que a do dessincronizado e vários Medicamentos afetam o Sono dessincronizado, o que é especialmente válido para psicotrópicos (que só atuam convenientemente como ansiolíticos, hipnóticos, tranqüilizantes e antiesquizofrênicos se reduzem o Sono dessincronizado). A seqüência dos ciclos vigília-sono completa-se em 24 horas, de tal Forma que cada 24 horas sentimos Sono em hora aproximadamente fixa. Entretanto, quando se mantém uma Pessoa em um Ambiente permanentemente claro ou escuro, a ciclagem vigília-sono se completa em 25 horas. Isso significa que a ciclagem espontânea, em livre curso, é de 25 horas, mas a alternância claro-escuro a modula, adaptando-se à variedade da iluminação. Essa profunda alteração do curso livre do Ciclo vigília-sono é controlada pela Glândula pineal e determinada geneticamente. Uma conseqüência óbvia desses fatos é que quando se viaja de avião a longas distâncias em direções transmeridianas, o horário em que se costuma dormir defasa-se rapidamente em relação ao horário do local em que se vive. A Adaptação ao novo Ciclo é lenta, completando-se em aproximadamente uma semana, mas é mais rápida se o vôo se realiza no Sentido leste-oeste do que o oposto, apesar de o vôo nesse Sentido acarretar perda de uma hora de Sono por fuso horário. Apesar dos inconvenientes da defasagem, ela não Causa nenhum prejuízo para o organismo, uma vez que é inteiramente reversível. A caracterização precisa do Sono dessincronizado propicia-nos caracterizar, também com precisão, a atividade onírica. Nessa fase do sono, a atividade muscular cessa mesmo nos músculos cervicais e faciais e nos oclusores da boca, os últimos a relaxar durante o Sono. Ao mesmo tempo, a Pressão arterial tende a baixar no rato e em outros animais usados em experimentação (a Pressão se eleva); no rato, porém, a freqüência cardíaca e a respiração também se reduzem; no homem é freqüente a Ereção peniana. Alguns instantes antes de se iniciar um sonho o Eletroencefalograma se modifica, aparecendo ondas de baixa freqüência e de aspecto cuneiforme. Em poucos segundos iniciam-se os movimentos oculares, a freqüência cardíaca e a Pressão arterial aumentam e a respiração torna-se irregular. Ao mesmo tempo, podem ocorrer abalos breves dos membros, movimentação da Face e até vocalização. Se a Pessoa desperta nesse Período consegue detectar a ocorrência do sonho e pode relatá-lo pormenorizadamente. Despertando-se após alguns minutos, já é difícil a revocação do sonho; em cerca de 15 minutos depois de ter terminado não resta lembrança do evento. A movimentação que acompanha os sonhos relaciona-se diretamente com seu conteúdo e constitui o componente motor do Comportamento que se está emitindo. A razão pela qual não corremos, se sonhamos que estamos correndo nem falamos claramente se sonhamos que estamos falando é que circuitos situados ventralmente ao loco cerúleo, no tegmento Dorsal da ponte, inibem os motoneurônios e impedem sua mobilização. Como seria de esperar, a destruição experimental desses circuitos pontinos inativa os mecanismos de Inibição dos motoneurônios e possibilita movimentação complexa durante o Sono. Estudos desse Tipo feitos com gatos revelam que quando se iniciam as manifestações eletrofisiológicas de sonho, o animal se levanta, caminha, emite miados e eventualmente pode tentar tocar algum objeto imaginário com as patas; em alguns casos até ataca um objeto inexistente, que certamente faz Parte da atividade onírica em curso. Os movimentos oculares são muito nítidos em humanos, no gato e nos macacos, mas pouco evidentes no rato. Esta espécie, porém, é eminentemente olfatória, ao passo que as outras três são fortemente visuais. O registro da musculatura que movimenta o focinho do rato, que ele utiliza para farejar, demonstra intensa mobilização, refletindo o Caráter olfatório dos sonhos dos ratos, em contraste com o Caráter predominantemente visual dos sonhos das outras espécies mencionadas. As pessoas nascidas cegas ou que perderam a visão na Infância têm sonhos de conteúdo táctil e auditivo e não apresentam movimentos oculares quando sonham. A despeito da grande extensão dos conhecimentos referentes às manifestações e aos mecanismos do sono, permanece enigmático o significado funcional desse Estado em que passamos um terço de nossas vidas. Embora se admita quase, folcloricamente, que o Sono tem por finalidade promover o “descanso” do organismo como um todo, talvez mais especificamente do próprio Sistema nervoso, esse conceito em nada nos ajuda a compreender a Função do sono, especialmente porque o descanso do Sistema nervoso é um conceito altamente discutível. Além disso, durante o sono, o Sistema nervoso não se encontra desativado, mas sim, exibe uma atividade intensa de vários sistemas, ao lado da redução da atividade de outros. De fato, o Sono é desencadeado e mantido por mecanismos ativos, não se trata de uma Inativação passiva do Sistema nervoso. Alguns fisiologistas acreditam que o Sono dessincronizado é necessário à fixação do que se aprende durante o dia (há vários experimentos que dão apoio a essa hipótese). Entretanto, uma dúvida muito séria, aventada na década de 1950 por Nathaniel Klietman, cujo grupo descobriu os ciclos de Sono e iniciou o estudo objetivo dos sonhos, concretiza, provavelmente, a questão fundamental para se conhecer a Função (ou as funções) do Sono: será que o Estado Basal do organismo é estar desperto, o qual é periodicamente interrompido pelo sono, ou este é o Estado basal, interrompido periodicamente pelo alerta para que o organismo se alimente e defenda, procrie e execute outros Comportamentos fundamentais para a sobrevivência? Ainda é impossível Responder a essa pergunta com segurança, razão pela qual ainda ignoramos a razão do sono, embora saibamos tanto a respeito de suas manifestações e mecanismos. (César Timo-Iaria)
(ref. CID10) Apnéia de Sono central, (G47.3)
Apnéia de Sono obstrutiva, (G47.3)
Apnéia de sono, (G47.3)
Distúrbios do Ciclo vigília-sono, (G47.2)
Distúrbios do início e da manutenção do Sono [insônias], (G47.0)
Distúrbios do sono, (G47)
Distúrbios não especificados do sono, (G47.9)
Irregularidade do ritmo vigília-sono, (G47.2)
Síndrome do atraso das fases do sono, (G47.2)
Transtorno do Sono devido a fatores não-orgânicos não especificados, (F51.9)
Transtorno emocional do Sono sem outra especificação, (F51.9)
Transtornos não-orgânicos do Sono devido a fatores emocionais, (F51) “Em numerosos casos uma Perturbação do Sono é um dos sintomas de um outro transtorno mental ou físico. Saber se, num dado paciente, um transtorno de Sono é uma Perturbação independente ou simplesmente uma das manifestações de outro transtorno que deve ser determinado com Base nos elementos clínicos e da evolução, assim como a partir de considerações e de prioridades terapêuticas no momento de consulta. Como regra geral, este código deve ser utilizado juntamente com outros diagnósticos pertinentes que descrevem a psicopatologia e a fisiopatologia implicadas num dado caso, quando a Perturbação do Sono é uma das queixas proponderantes e quando é vista como uma Afecção per si. Esta categoria compreende unicamente os transtornos do Sono que são essencialmente imputáveis a fatores emocionais não-orgânicos, e que não são devidos a transtornos Físicos identificáveis classificados em outra parte”.