Erro também ensina
Nem sempre o Erro pode ser encarado apenas como um mal. A medicina tem dado exemplos de erros que levaram a descobertas importantes. Para não se falar no Fato de o ensino médico apoiar-se sobremaneira sobre o que não deu certo. Haja vista o Caso que ficou sem Diagnóstico ou que é controvertido, o Caso em que pairam dúvidas ou aquele que a própria Autópsia não esclarece. É hábito, nos hospitais, haver reuniões com debatedores convidados, para a apresentação de casos difíceis, cuja Necrópsia revela resultados diferentes daqueles que seriam previsíveis, em Função do raciocínio clínico habitual. Quanto mais duvidoso for o resultado, mais bonito é considerado o Caso. Muitas revistas costumam dedicar-lhe sessões em que cada participante elabora seu Diagnóstico e justifica seu raciocínio, confrontando-o com os resultados dos exames. Tais casos costumam ser tanto mais interessantes quanto mais inesperado for o resultado da Autópsia.
Como se vê, é hábito, nos grandes centros médicos, exercitar-se o raciocínio utilizando casos difíceis, cheios de armadilhas para o médico errar, e que são, para efeito do estudo do Erro médico, o que se poderia chamar de erros escusáveis, pois, em tais casos, só a Autópsia permite acertar o Diagnóstico e nem sempre isso ocorre. É oportuno considerar também o Fato de que, excepcionalmente, ele pode reverter em bem. Não estou me referindo àqueles casos em que Órgãos podem e são aproveitados para transplante. O médico, como vimos, aprende com os casos mais difíceis, com os acidentes, Complicações e também com o Erro.
A literatura nacional é farta no estudo de procedimentos inadequados e também de casos em que a sobrevivência do Paciente se deveu a procedimentos cirúrgicos hoje tidos como obsoletos. A literatura nacional registra trabalhos estudando casos comuns de erros graves. Para dar um exemplo basta citar o Prof. Mário Ramos de Oliveira, que estuda uma série considerável de casos de erros grosseiros cometidos na execução da clássica gastrectomia, em que o cirurgião, após ressecar Parte do estômago, ao restabelecer o trânsito intestinal, não anastomosou o Segmento restante com o Intestino Jejuno mas, sim, com a porção terminal do Íleo. Trata-se de um Erro grosseiro para o cirurgião que sabe fazer uma gastrectomia, o que se caracteriza como imperícia, por não revelar o conhecimento fundamental da Técnica para identificar o órgão, e de negligência, pelo descuido com que executou o Procedimento e acompanhou o pós-operatório.
Ao lado desse exemplo, é oportuno lembrar casos de Negligência que resultaram em bem para a humanidade. Fleming cometeu um Erro de Técnica e, sem querer, descobriu a penicilina.
O melhor medicamento usado hoje para Tratamento do Alcoolismo nasceu do Fato de dois suecos usarem um mesmo medicamento como antiparasitário e terem tido um forte mal-estar no dia seguinte a uma reunião social em que haviam ingerido Bebida alcoólica. Foi de tal monta o quadro de ambos que os levou a encetar um detalhado estudo em que o único ponto comum era o uso da mesma Droga. Tratava-se da Dissulfiram. Hoje, ela não tem significado algum como antiparasitário e é um dos melhores Medicamentos para o Alcoólatra largar o Vício. De fato, essa Droga bloqueia o Metabolismo do Álcool em acetaldeido, produzindo como conseqüência enorme mal-estar, vasodilatação, taquicardia, cefaléia, náusea e vômito.
Além dos casos relatados como Erro crasso, Negligência e efeitos colaterais adversos que se transformam em efeito principal desejado, cabe lembrar também os casos de procedimentos obsoletos que a Observação mostrou ser prejudicial. Na última guerra, o único cirurgião brasileiro que Tinha Autorização para operar soldados americanos era o Prof. Alípio Corrêa Netto; ele contava que, dentro das normas técnicas adotadas pelo Exército Americano, estava, naquela ocasião, a recomendação de pulverizar sulfa na Cavidade abdominal toda vez que ela fosse aberta, cirurgicamente ou não. Hoje tal prática é proscrita. O médico que hoje procedesse daquela Forma estaria Sujeito a ser incurso em Imperícia.
Tudo o que se disse nessa obra não foi dito para explicar e, muito menos, justificar Erro algum, mas para estabelecer estes fatos: primeiro, que o acerto de hoje pode ser tido como Erro amanhã; segundo, o que foi considerado Erro deve ser analisado sob o ponto de vista científico. Na verdade, a ciência, que faz ver o erro, ensina também ou a corrigi-lo a tempo ou a encontrar uma nova Forma de Tratamento. É ainda ela, a ciência, que mostra o Erro para que se aprenda a evitá-lo. Para concluir, gostaria de lembrar uma reflexão de Victor Brochard, no final de um capítulo de seu livro sobre o Erro, que convém ter sempre presente ao examinar o seu significado: não é enquanto imperfeito, ou por lhe faltar alguma coisa, que o espírito humano está Sujeito ao Erro. A mesma faculdade que, tornando-o capaz de atingir a verdade, o eleva acima dos animais, o expõe a enganar-se mais gravemente do que eles. O Erro é, como a verdade, e a igual título, o privilégio do homem.