Autocrítica

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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O desenvolvimento científico da medicina, de um lado, e o Progresso pessoal do médico como indivíduo, do outro, trazem para este uma condição paradoxal. Dominando profundamente uma Área do conhecimento, adquire progressivamente maior quantidade de conhecimento e mais habilidade para tratar de casos cada vez mais graves. Tal Circunstância o leva com muito mais probabilidade às fronteiras das possibilidades que a medicina vai conquistando. A delimitação dessas fronteiras é muito difícil e impossível de ser sequer imaginada por quem não passa por tais situações.
Em artigo do Prof. Renato Alves de Godoy, Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, publicado em Consultório Médico 93, o autor destaca: “A proliferação desses novos procedimentos não só permitiu a execução de diagnósticos cada vez mais corretos, como também correlativamente aumentou a Responsabilidade do médico colocando em suas mãos recursos adequados para evitar o Erro. Não obstante, o que está ocorrendo é que muitos médicos, por comodidade ou má formação profissional, passaram à requisição abusiva dos exames ditos sofisticados, muitas vezes desnecessários, que encarecem, sobremaneira, o custo da Assistência médica, tanto a particular como a previdenciária. No início do século, a proporção de pessoal Auxiliar era de cerca de um para cada dois Médicos; hoje pode chegar a quinze para cada um. Tal como em outras áreas, o uso dessa alta tecnologia em medicina é freqüentemente injustificado. A crescente Dependência da Assistência médica de uma tecnologia complexa acelerou a tendência para a Especialização e reforçou a propensão dos Médicos de tratar partes específicas do corpo, esquecendo-se de cuidar do Paciente como um ser total. Ao mesmo tempo, a prática da medicina transferiu-se do consultório do clínico geral para o hospital, onde se tornou progressivamente despersonalizada, quando não desumanizada. De 30 a 50 por cento dos casos de hospitalização atuais são clinicamente desnecessários; por outro lado, serviços alternativos que poderiam ser, do ponto de vista terapêutico mais eficazes, e economicamente mais eficientes, desapareceram quase por completo. Por outro lado, infelizmente, o avanço tecnológico levou o médico a um certo descuido em relação ao exame clínico dos doentes. Nas próprias escolas médicas, o ensino de Semiologia médica está deixando muito a desejar. E como pode um médico orientar corretamente um Diagnóstico e fazer uso adequado dos métodos ditos sofisticados sem esses conhecimentos básicos? Sabemos que uma Anamnese bem conduzida e um exame físico cuidadoso podem. em grande número de casos conduzir um Diagnóstico definitivo ou senão às hipóteses mais compatíveis com o Caso e então o médico poderá escolher os métodos e fazer a Análise crítica mais condizente para sua elucidação e avaliar o Erro do exame. No uso de aparelhagem computadorizada, um Defeito qualquer na escolha dos dados pode conduzir a resultados finais falsos. Por exemplo, na máquina de Cateterismo intracardiaco, um Defeito no Sistema de oximetria pode resultar em resultados incompatíveis com o Caso. Há a possibilidade de o Analista fazer uma interpretação inexata das imagens ou dos números fornecidos pela aparelhagem. Já vi casos que resultaram em cirurgias inúteis, com todos seus riscos inerentes. Via de regra, os erros Médicos são denunciados e revelados quando resultam em morte, incapacitação física ou perda de Órgãos por atuações cirúrgicas inadequadas. No entretanto os erros Médicos são mais freqüentes que os aparentes e não ficam evidentes”.
Poucos se atrevem a dizê-lo, mas há consenso quanto à idéia segundo a qual o médico desleixa no exame clínico para se apoiar em exames complementares cada vez mais sofisticados, que não está adequadamente preparado para interpretar.
Quando apareceu o primeiro Aparelho de Ressonância Nuclear Magnética em São Paulo, fui consultado por uma família que indagara como conseguir aquele exame para um parente que morava no interior e estava com Diagnóstico de Câncer em fase final. Para me inteirar do caso, pedi ao médico que havia solicitado o exame, para telefonar-me a fim de estabelecermos o modus faciendi. Tal foi minha surpresa quando ele informou-me que pedira tal exame para esclarecer se a Metástase cerebral que o doente Tinha era de origem pulmonar ou retal. Diante desta suspeita, indaguei em que resultara o toque retal. Fui informado de que ele não o havia feito. Evidentemente, o doente não veio para São Paulo. Aquele médico, para conhecer o exame novo, teve que procurar outro recurso. O doente faleceu no dia seguinte.
O Limite de ação do médico, nesses casos, vai depender estritamente do foro íntimo. Este estará impelido pela vontade de salvar, mas contido pelo bom senso do saber parar e não arriscar a vida do Paciente na tentativa vã de salvar o Órgão.
Neste ponto está a premissa que deve nortear sempre o médico quando se depara com a necessidade de uma atitude que fuja completamente à rotina. Ele deve ter sempre em mente que, primeiro, deve preservar a vida, depois, a Função e, por último, a Estética.
Aliás, pode-se aceitar como premissa que, quanto mais o médico faz, mais vulnerável se torna. Ele, em especial se for cirurgião, deve encontrar o equilíbrio entre a necessidade de ser arrojado e as restrições de sua Autocrítica. O seu Progresso está alicerçado sobre sua moral, com todos os sentimentos de foro íntimo, mas exatamente na linha de sua coragem de ousar.