Médico, estilo de vida

De Enciclopédia Médica Moraes Amato
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O exercício profissional conduz o médico a um estilo de vida peculiar. As exigências próprias de seu Trabalho fogem muito da rotina das demais profissões porque supõem a alteração do conceito tradicional do dia e da noite, como Período de Trabalho e de Repouso. Elas trazem, ainda, também, como alteração de Hábito comum, a quebra do horário das refeições. Essas duas maneiras de proceder marcam de Forma indelével sua Personalidade. A gratificação emocional ao servir o próximo na dor e no sofrimento faz passar para segundo nível o conforto pessoal e, muitas vezes, o de sua própria família. A alteração dos hábitos cotidianos estabelecidos para ele desde a juventude, torna o seu modo de viver muito diferente do dos demais cidadãos. Educar o jovem para ser médico implica também em treiná-lo no estilo de vida que o bom desempenho da profissão exige. Tais ensinamentos jamais podem constituir matéria curricular. Eles terão que ser apreendidos pela Observação da conduta e atitudes de professores, preceptores e profissionais mais velhos. O fundamental é que sejam compreendidos e, mais do que isso, aceitos como privilégio. Talvez esteja nesse ponto a chave do êxito: saber viver para a profissão. O aprimoramento da percepção que leva a encarar a vida profissional dessa Forma ocorre com o passar do tempo, pela convivência diuturna com colegas mais velhos, que enxerguem na possibilidade de viver dessa Forma as vantagens que ela propicia. Para trocar a noite pelo dia ou, muitas vezes, passar uma noite trabalhando e no dia seguinte trabalhar normalmente como se a noite tivesse sido repousante é preciso ter algo diferente dentro de si. Não só aptidão física, mas também grande força de Personalidade. A gratificação trazida pelas emoções que a profissão propicia é enorme e certamente nela está a mola propulsora de tal condicionamento, que dá força ao físico, a alguém é gratificante, seja ele humilde ou abonado, inocente ou Criminoso. O Paciente que recebeu o sopro da vida, o alívio da dor, e Calor no atendimento talvez não tenha Consciência ou mesmo Capacidade para sentir a grandeza do gesto e aquilatar o conteúdo humano do médico, ao atendê-lo. A compensação moral é a força que desencadeia a resposta orgânica que acaba por quebrar as leis da Biologia e protege o médico. Em decorrência de sua formação, ele conhece o funcionamento do organismo humano. Este Fato o leva a saber, com segurança, as armas de que dispõe para recuperar suas energias de modo racional, fugindo do convencional que, paradoxalmente, ele próprio recomenda para seus pacientes e que a sua própria condição de médico o impede de observar. Acredito, entretanto, que ainda seja a referida compensação moral que desencadeia a resposta orgânica diferente, que rompe as leis da Biologia e o protege. O jovem médico deve ser alertado para que note as vantagens de Poder trocar o dia pela noite sem se prejudicar e de Poder não se apegar ao horário rígido das refeições sem se enfraquecer. Ao longo dos anos, os plantões, as chamadas a qualquer hora, interrompendo o Sono ou as refeições vão treinando o médico de tal Forma que ele aprende a dominar hábitos do homem comum. Ele adquire a Capacidade de dominar a Fome e o Sono. A vivência de longo preparo e Treinamento faz que ele aprenda a comer quando pode e a dormir quando consegue. Talvez seja a sua maior prova de autocontrole. Aprender a dominar-se. Educar-se para interromper o lazer e trabalhar com alegria. É difícil ao leigo compreender tal Fato. Contudo, é uma realidade para o profissional. Realidade evidente, que a vida, aos olhos de todos, está a comprovar. O médico consegue, em decorrência de tal treinamento, com pequenos períodos de sono, reconstituir-se para enfrentar longas horas de Trabalho. A Responsabilidade desse Trabalho exige tal Atenção que os estímulos nervosos são suficientes para manter a mente lúcida, as idéias claras, mesmo depois de laboriosas noitadas. A grande atividade da vida profissional do médico, em que a variedade da situação é a constante, ensina-o a ver a real dimensão dos fatos. Este aprendizado capacita-o a estabelecer criteriosamente prioridades e, principalmente, torna-o apto a conciliar situações. Não fossem suficientes os motivos referidos para se ver o médico como privilegiado, deve ser lembrado que tal maneira de proceder gera a possibilidade de o médico dispor de mais horas para trabalhar. Assim, essa flexibilidade possibilita a ele condições melhores para um reforço em seu orçamento. Em contrapartida de tudo o que foi dito, convenhamos que o médico tem necessidade de merecer da sociedade um Tratamento diferente. Indiscutivelmente, o médico sente-se chocado quando ele próprio precisa dos préstimos de outro profissional e não encontra a receptividade esperada. Na verdade, neste viver trocando, às vezes, o dia pela noite, o médico sente uma Identificação com a boêmia. É difícil imaginar que o prazer do Trabalho seja de tal magnitude. Mas é fácil compreender que o estilo de vida seja o mesmo. Na coincidência da maneira de viver e na libertação desses hábitos convencionais talvez esteja a Identificação que, por mecanismo psicológico complexo, minimiza o esforço e faz com que, no subconsciente, o médico acabe por identificar o Trabalho com lazer. Contudo, para se atingir tal refinamento de concepção, é necessário vocação. Tal expressão é difícil de ser caracterizada e, mais ainda, de ser definida. Entretanto, não foi encontrado outro vocábulo para indicar o dom que, no íntimo, desencadeia a série de associações de idéias e de emoções no emaranhado da mente, levando o médico a confundir Trabalho e ócio, a viver sua profissão com prazer, a ser feliz, enfim, no exercício dela. Assim, vocação é sentir felicidade naquilo que faz. Essas são algumas das circunstâncias que também contribuem para fazer do exercício da medicina uma atividade transcendente. Transcendente às dimensões comuns da existência porque não lhe basta um saber; o seu exercício exige um Poder. O saber vem da ciência, mas o Poder cumprir a indicação da ciência supõe algo mais, cuja fórmula não se encontra nos livros da Academia. Na verdade, o que torna real e eficaz o conhecimento médico é a Capacidade de o profissional atualizá-lo. E esta Capacidade tem muito a ver com uma atitude existencial de despojamento. Atitude consciente de renúncia de si, de dedicação plena a uma missão, de amor, enfim. A compaixão pelo outro, o voltar-se para fora de si não vem, seguramente, da ciência. Na verdade, é graça. Um Carisma.